A pobreza dos realities

  • By Ricardo Yudi
  • jan 31st, 2020
  • Blog

Pode parecer mentira, mas cozinhar é mais simples do que você imagina e te abre um incrível leque de vantagens a curto, médio e longo prazo.
Um diálogo bastante comum:

“O que você faz?”
“_ Sou professor de Gastronomia”
“Que legal, eu queria saber cozinhar” ou “Tenho um amigx que faz coisas maravilhosas” “Você assiste Masterchef?”

Não sou contra os realities de competição gastronômica. Mas também não vejo muito sentido em assistir quando há melhores opções de programas por aí. Hoje, Gastronomia é sinônimo de, acima de tudo, crença. Explico.
A Gastronomia chegou em um patamar quase de fanatismo. Fanático no sentido de que ela divide opiniões, atrai seguidores (fiéis) e exerce uma importante envergadura no mercado da alimentação. É um mercado bilionário e que, ao mesmo tempo, empobrece – mas vou salvar esta citação para mais adiante.


Saber cozinhar é diferente de estudar Gastronomia e que é muito diferente de viver da Gastronomia. Logo, o que leva um cidadão a querer “fazer parte” da Gastronomia?
Existe a Gastronomia enquanto uma profissão e a imagem da Gastronomia que a mídia nos despeja: reality show, vídeos de youtube, seriados em netflix, personagem de filme, novela, desenho animado. A ideia de que a Alta Gastronomia é o ápice da profissão, de que a experiência estética alimentar é um presente divino são duas das grandes babaquices do século XX.


Os conteúdos são exibicionistas, são quase um fetiche sobre a alimentação (daí o termo food porn) – cozinha aquário soa familiar? Nos deparamos com situações e cenários que:

a) não temos como consumir;

b) não podemos consumir;

c) não podemos ser ou fazer;

d) admiração artística;

e) insira a sua percepção aqui.

Mas eu prometi dar a minha visão, então segura aí: o discurso do entretenimento e da experiência estética dos realities gastronômicos empobrece a alimentação. Empobrece porque a maior parte da audiência não tem o conhecimento técnico e a experiência para avaliar as ofertas  (DISCLAIMER: a audiência não é obrigada a saber) – e, ao mesmo tempo,  apesar de existir algumas ofertas interessantes, o geral é muito ruim (conteúdo, técnica, acabamento, etc). Logo, resta a imagem inflada de que a Gastronomia é algo muito melhor ou maior do que é ou deveria ser.

Isso me leva a uma segunda questão. Esta projeção de expectativa dita uma regra em nosso subconsciente: há uma parametrização de qualidade advinda do conteúdo midiático que nos leva a julgar x, y, z como se fôssemos os juízes de um reality show. É uma cultura da crítica vazia. É um modo de operação do julgamento que desvaloriza a Gastronomia, desvaloriza o alimento. São julgamentos feitos sobre objetos e programas mal construídos em primeiro lugar. É a avaliação de um prato à la BBB.

Considero válida toda e qualquer forma de prática gastronômica DESDE que haja um penso sobre o alimento e a alimentação – que são coisas distintas. A Gastronomia é nada mais do que uma equação composta por inúmeros fatores tangíveis e intangíveis ao alimento. Se um conteúdo midiático cumpre uma missão educativa, para mim, está perfeito (e esta é a minha crença).

Ora, quando eu ouso em dizer que o conteúdo de realities empobrece a Gastronomia é porque ele subtrai mais do que soma. Por que? Pelo simples fato de que a realidade gastronômica não é traduzida, em sua grande maioria, pelo seriado, pelo filme ou pelo reality show.

É importante e seguro tratar aqueles conteúdos com uma dose de ceticismo. Se é divertido e se evapora em nosso cotidiano, ok, ele cumpre seu papel de entreter.  Se ele é carregado para a identidade de um negócio, para o seu modo de entender a Gastronomia, isto pode se tornar problemático.

O raciocínio é bem simples, o entretenimento é um fator da equação de uma experiência alimentar. X + y + z + w + … = experiência, onde X quer dizer entretenimento e Y/Z/W/A/B/C correspondem a outras variáveis do alimento. Em outras palavras, entretenimento pode fazer parte do ato mas não é alimento e não alimenta.

O entretenimento sozinho não vinga enquanto equação alimentar. Ele não deve ser o resumo de um hábito e, acima de tudo, não deve ser o resumo da máxima expressão gastronômica nacional. A identidade alimentar é rica pela composição, pela cultura e pelos saberes criados, guardados e repassados.

Então precisamos ter cautela e debater sobre esses assuntos. O conteúdo pode ser educativo, divertido e delicioso, mas a realidade para quem escolhe viver disso é um pouco diferente. É diferente pois o alcance de um estabelecimento é delimitado por questões simples como um ticket médio. E um ticket médio inclui e exclui parcelas da população. Se um estabelecimento atende um nicho menor do que 5% o que isso diz sobre a alimentação, em um sentido amplo?

Simples, ele é restritivo e obtuso à população. É contrário ao sentimento universal de que o alimento conecta as pessoas pois, em alguns casos, ele desconecta e isola (e esta é a continuação da minha crença).

Nota-se, então, que essa divisão empobrece o sistema enquanto um todo, há projeção mental de expectativa em virtude da midiatização, há uma oferta restritiva através dos preços e uma entrega de produto/serviço subpar (na esmagadora maioria dos casos).

“Você assiste Masterchef?”

“Não assisto… mas gosto de outros programas do gênero”

“Assista a “Cooked” de Michael Pollan, “Mais Sal, Gordura, Acidez e Calor” de Samin Nosrat, “Na Rota do Taco” de Pablo Cruz  e fique longe de qualquer Chef’s Table e Masterchef.


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- Yudi
2 comments on “A pobreza dos realities
Antonio BOSCOSays 2020-02-01 at 16:57

Excelente publicação Yudi, enquanto alguns tentam transformar a cozinha em um relógio analógico onde todos os pinos se encaixam perfeitamente (todas as praças) outras incentivam a cozinha de uma pessoa só, a cozinha gourmet onde tudo acontece devido as habilidades de uma única pessoa e, nós sabemos, a cozinha é um relógio sincronizado onde todos se somam e não se dividem. Abraço. antonioribeirojr@gmail.com


    Ricardo YudiSays 2020-02-06 at 15:30

    Olá Bosco!
    Obrigado pela contribuição. Concordo contigo, existe muito trabalho por trás de um simples prato. Tudo tem que estar em perfeita harmonia!


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