Pode parecer mentira, mas cozinhar é mais simples do que você imagina e te abre um incrível leque de vantagens a curto, médio e longo prazo.
Um diálogo bastante comum:
“O que você faz?”
“_ Sou professor de Gastronomia”
“Que legal, eu queria saber cozinhar” ou “Tenho um amigx que faz coisas maravilhosas” “Você assiste Masterchef?”
…
Não sou contra os realities de competição gastronômica. Mas também não vejo muito sentido em assistir quando há melhores opções de programas por aí. Hoje, Gastronomia é sinônimo de, acima de tudo, crença. Explico.
A Gastronomia chegou em um patamar quase de fanatismo. Fanático no sentido de que ela divide opiniões, atrai seguidores (fiéis) e exerce uma importante envergadura no mercado da alimentação. É um mercado bilionário e que, ao mesmo tempo, empobrece – mas vou salvar esta citação para mais adiante.
Saber cozinhar é diferente de estudar Gastronomia e que é muito diferente de viver da Gastronomia. Logo, o que leva um cidadão a querer “fazer parte” da Gastronomia?
Existe a Gastronomia enquanto uma profissão e a imagem da Gastronomia que a mídia nos despeja: reality show, vídeos de youtube, seriados em netflix, personagem de filme, novela, desenho animado. A ideia de que a Alta Gastronomia é o ápice da profissão, de que a experiência estética alimentar é um presente divino são duas das grandes babaquices do século XX.
Os conteúdos são exibicionistas, são quase um fetiche sobre a alimentação (daí o termo food porn) – cozinha aquário soa familiar? Nos deparamos com situações e cenários que:
a) não temos como consumir;
b) não podemos consumir;
c) não podemos ser ou fazer;
d) admiração artística;
e) insira a sua percepção aqui.
Mas eu prometi dar a minha visão, então segura aí: o discurso do entretenimento e da experiência estética dos realities gastronômicos empobrece a alimentação. Empobrece porque a maior parte da audiência não tem o conhecimento técnico e a experiência para avaliar as ofertas (DISCLAIMER: a audiência não é obrigada a saber) – e, ao mesmo tempo, apesar de existir algumas ofertas interessantes, o geral é muito ruim (conteúdo, técnica, acabamento, etc). Logo, resta a imagem inflada de que a Gastronomia é algo muito melhor ou maior do que é ou deveria ser.
Isso me leva a uma segunda questão. Esta projeção de expectativa dita uma regra em nosso subconsciente: há uma parametrização de qualidade advinda do conteúdo midiático que nos leva a julgar x, y, z como se fôssemos os juízes de um reality show. É uma cultura da crítica vazia. É um modo de operação do julgamento que desvaloriza a Gastronomia, desvaloriza o alimento. São julgamentos feitos sobre objetos e programas mal construídos em primeiro lugar. É a avaliação de um prato à la BBB.
Considero válida toda e qualquer forma de prática gastronômica DESDE que haja um penso sobre o alimento e a alimentação – que são coisas distintas. A Gastronomia é nada mais do que uma equação composta por inúmeros fatores tangíveis e intangíveis ao alimento. Se um conteúdo midiático cumpre uma missão educativa, para mim, está perfeito (e esta é a minha crença).
Ora, quando eu ouso em dizer que o conteúdo de realities empobrece a Gastronomia é porque ele subtrai mais do que soma. Por que? Pelo simples fato de que a realidade gastronômica não é traduzida, em sua grande maioria, pelo seriado, pelo filme ou pelo reality show.
É importante e seguro tratar aqueles conteúdos com uma dose de ceticismo. Se é divertido e se evapora em nosso cotidiano, ok, ele cumpre seu papel de entreter. Se ele é carregado para a identidade de um negócio, para o seu modo de entender a Gastronomia, isto pode se tornar problemático.
O raciocínio é bem simples, o entretenimento é um fator da equação de uma experiência alimentar. X + y + z + w + … = experiência, onde X quer dizer entretenimento e Y/Z/W/A/B/C correspondem a outras variáveis do alimento. Em outras palavras, entretenimento pode fazer parte do ato mas não é alimento e não alimenta.
O entretenimento sozinho não vinga enquanto equação alimentar. Ele não deve ser o resumo de um hábito e, acima de tudo, não deve ser o resumo da máxima expressão gastronômica nacional. A identidade alimentar é rica pela composição, pela cultura e pelos saberes criados, guardados e repassados.
Então precisamos ter cautela e debater sobre esses assuntos. O conteúdo pode ser educativo, divertido e delicioso, mas a realidade para quem escolhe viver disso é um pouco diferente. É diferente pois o alcance de um estabelecimento é delimitado por questões simples como um ticket médio. E um ticket médio inclui e exclui parcelas da população. Se um estabelecimento atende um nicho menor do que 5% o que isso diz sobre a alimentação, em um sentido amplo?
Simples, ele é restritivo e obtuso à população. É contrário ao sentimento universal de que o alimento conecta as pessoas pois, em alguns casos, ele desconecta e isola (e esta é a continuação da minha crença).
Nota-se, então, que essa divisão empobrece o sistema enquanto um todo, há projeção mental de expectativa em virtude da midiatização, há uma oferta restritiva através dos preços e uma entrega de produto/serviço subpar (na esmagadora maioria dos casos).
“Você assiste Masterchef?”
“Não assisto… mas gosto de outros programas do gênero”
“Assista a “Cooked” de Michael Pollan, “Mais Sal, Gordura, Acidez e Calor” de Samin Nosrat, “Na Rota do Taco” de Pablo Cruz e fique longe de qualquer Chef’s Table e Masterchef.
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2 comments on “A pobreza dos realities”
Antonio BOSCOSays 2020-02-01 at 16:57
Excelente publicação Yudi, enquanto alguns tentam transformar a cozinha em um relógio analógico onde todos os pinos se encaixam perfeitamente (todas as praças) outras incentivam a cozinha de uma pessoa só, a cozinha gourmet onde tudo acontece devido as habilidades de uma única pessoa e, nós sabemos, a cozinha é um relógio sincronizado onde todos se somam e não se dividem. Abraço. antonioribeirojr@gmail.com
Ricardo YudiSays 2020-02-06 at 15:30
Olá Bosco!
Obrigado pela contribuição. Concordo contigo, existe muito trabalho por trás de um simples prato. Tudo tem que estar em perfeita harmonia!