Existe partidarismo gastronômico?

  • By Ricardo Yudi
  • out 30th, 2018
  • Blog

Está em alta. Parece que hoje é incoerente ensaiar um pensamento progressista e democrático. Ou você luta por desenvolvimento social e é taxado de comuna ou desenrola o modo progresso e te rotulam de mercenário.

Para ser qualquer um dos dois é simples:

a) O comuna: crie aquele bunker da resistência alimentar. Só entra quem é vegano-orgânico, só usa desodorante em pó e que já leu a bibliografia recomendada. Pontos extras para o entendedor de rejuvelac, aquele roots mesmo. Que brota dentro de um vidro de conserva reciclado. Cliente paga o quanto quiser. O negócio lucra menos do que gostaria.

b) O mercenário: contrate uma equipe de arquitetos e designers. Discuta forma, função e toda a gestalt enquanto se aprecia um french press ou um v60. Tá calor? Troca por coldbrew ou aquela kombucha marota. Alinha o branding com a agência e marcha um menu local (ceasa), cerâmicas maravilhosas e luz indireta. Gatilhos emocionais para despertar aquela emoção infantil, precificação para o que se vê e não para o que se come. Sucesso. Avante franquias, #voa.

Existe um gap entre A e B que dificilmente entra na concepção das novas casas. Mas antes disso vou falar sobre como chegamos até essa cisão burra entre A e B.

  1. Falências: é leviano jogar a causa da falência de um estabelecimento em apps de delivery, por exemplo. Embora o crescimento dos modos e meios de acesso ao produto final tenham crescido nos últimos anos, não é possível afirmar que a facilidade e a dinâmica de aplicativos tenha envergadura suficiente para minar um negócio. O fato é que a economia sofreu com mais de 300 mil empresas encerrando as atividades em menos de 3 anos (IBGE). O mercado perdeu quase 4 milhões de vagas de trabalho e as disparidades de remuneração permaneceram. Se um estabelecimento encerrou as atividades as causas variam desde um produto ruim, má gestão ou à má sorte (sim. acontece).
  2. Invasão gringa: a expansão de redes estrangeiras no mercado de alimentação aproveitou, muito bem diga-se de passagem, a pulverização do segmento no país. O Burger King, por exemplo, abriu capital em Bolsa no final de 2017 e tem injetado este mesmo capital para ampliar uma já consolidada e robusta operação no país. São operações inteligentes, com tecnologia de análise e produção de ponta. Em outras palavras, é uma competição “injusta” (sem coitadismo) com o restaurante independente uma vez em que estes não têm acesso aos melhores pontos e não conseguem obter competitividade em grande escala. Aqui a competitividade pode ser traduzida sob três aspectos fundamentais: custo/benefício, padrão do produto e disponibilidade.
  3. O estabelecimento independente: os custos operacionais fixos e variáveis aumentaram e o repasse ao cliente final não. A inflação da alimentação fora de casa está atualmente na casa dos 4% contra 7% em 2016 (IFSB). O aumento do ticket médio se manteve na casa dos 4% (R$ 25,10). Embora o brasileiro tenha aumentado a despesa com alimentação fora do lar, ele acabou por migrar a categorias inferiores de produtos e serviços (leia-se fast food e similares). E aqui big data e analytics reinam, não é pura coincidência que as grandes cadeias estão salivando com o mercado em ruínas.
  4. Posicionamento: como se posicionar dentro deste mercado é uma questão milionária (por vezes, literalmente). Se falta capital para o independente, a única coisa que acaba restando é o discurso, a narrativa e a bandeira. Note que boa parte dos novos estabelecimentos discursam sobre consumo local; orgânico; cozinha autoral; ingredientes exóticos (wagyu, kobe beef contrariando a lógica do carbon print); práticas sustentáveis; canudo de papel; fair trade e assim por diante. A questão milionária, de fato, seria: faz sentido? Dá milhão? Mantém o negócio aberto?

Ora, se ideologias pagassem boletos teríamos um mercado bastante diferente do atual. Mas a questão milionária se torna simples se equipararmos com a prática do concorrente: é suficiente para fazer um shift de compra? Insira aqui os teóricos de comportamento de consumidor, de Kahneman a Lindstrom, somem, ainda um Kaufman e descobrirão que a equação somente fecha se houver uma condição de prosperidade socioeconômica e políticas de apoio. Ou seja, ideologias, verdades e narrativas não pagam as contas se o ambiente da instalação não for propício. Há de existir um equilíbrio entre A e B.

Isto não quer dizer que é necessário vender a alma para a McCain e trocar o azeite de oliva pela gordura hidrogenada. Hoje existem mecanismos de compras coletivas, as chamadas sociedades de propósito específico (SPE), que podem auxiliar na negociação e aquisição de insumos para restaurantes do mesmo segmento. Além disso, outras formas de atendimento estão sendo implementadas em estabelecimentos independentes. A adaptação do tipo de serviço, aquela que causa impacto direto no preço de venda, está cada vez mais popular. Corta-se os atravessadores do alimento e ele se torna mais limpo. É como se existisse um carbon print dentro do próprio negócio.

Mas retomando a questão da cisão. É possível ensaiar pensamentos progressistas e democráticos quando o assunto é Gastronomia. A resposta para isso está na autocrítica e no desenvolvimento de estratégias de antecipação, de contenção e reação. Estratégias que respeitem dimensões sociais, econômicas, políticas e de identidade. A autocrítica em tempos de Tripadvisor está morta. O que o cliente redige é lei. É um campo perigoso porque pode induzir o chef a cozinhar para entreter, para agradar, para sacrificar a equipe e o que mais constitua o bem-estar da empresa. A reflexão é importante para delimitar o peso do discurso que cada um carrega, se este discurso é compatível com a necessidade do humano-cliente e se o retorno financeiro justifica tudo aquilo. Do contrário você apenas paga para divulgar uma ideia e seria mais conveniente, neste caso, fundar uma ONG.

Imagina-se que o independente não disponha de estatísticas, de painel treinado e grupos focais. Logo, a única arma que resta (excluso o alimento)  é o diálogo com o cliente. O único diferencial contra a rede estrangeira que abocanha o mercado é o atendimento personalizado, o olho no olho – e olha que já tentam fazer a versão massificada da experiência personalizada (vide Starbucks). Note que não há repúdio por rede estrangeira ou que o post possua qualquer viés estatal. O sistema-produto que as redes, em sua grande maioria, oferecem é seguro, tem padrão de qualidade mínimo e justifica o preço de mercado.

Tente absorver isso e aplique no seu conceito kombucha marota cafe / bunker anarco e diversifique o seu modo de empreender na alimentação. É possível encontrar um termo que justifique um modo de operação enxuto e entregue um produto infinitamente superior ao massificado. Que resulte em experiências alimentares memoráveis, que construa (ou repare) laços afetivos. Que valorize o local mas não se sacrifique por isso. Que seja acessível mas relevante dentro do seu segmento. Que tenha uma história para contar mas que não coloque o boi para dormir.

E se você está do lado de lá, do lado que está buscando ampliação de mercado, franqueamento e dominação mundial fica aqui um conselho: cuide da saúde organizacional e invista em profissionais que dedicaram a vida estudando o assunto. Graduados ou não. O pré-requisito é ser apaixonado por alimentação.

Nada mais gratificante do que encontrar um lugar que possua gente engajada com uma alimentação melhor e com pratos com identidade. Nada melhor do que investir na educação de quem faz acontecer e ver o turnover despencar. É o máximo dizer para o funcionário chamar o cliente pelo nome, mas tem vezes que não se sabe nem o nome do próprio funcionário. Triste.

Você quer avanço e inovação social? Pois bem, esteja preparado a realizar a autocrítica, a discutir com quem tem ideias diferentes e atualizar seus argumentos. Sim, existe partidarismo e polarização na Gastronomia também. Abra o diálogo.

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